Os brasileiros que estão agora com cerca de 30 anos, mal se lembram do tempo em que a moeda não era o real, do período em que a inflação mensal batia nos três dígitos e da dificuldade (e até medo) dos pais de fazer planos de investimento de longo prazo. Nas novas famílias brasileiras, saem de cena atitudes como estocar produtos em casa com medo da inflação e não deixar nada na poupança, com medo de uma medida surpresa do governo, e entra em cena o "poupador", aquele que guarda parte da sua renda mensal pensando no futuro da família e, principalmente, dos filhos.
Planejar uma poupança para garantir a faculdade, o casamento, o carro novo ou até um apartamento para os filhos já é uma realidade. "O aumento da massa salarial brasileira, a estabilidade econômica e o crescimento expressivo do nível de emprego, especialmente nos últimos cinco anos, mudaram a mentalidade do brasileiro. Agora cidadãos de todas as classes passaram a dar atenção a essa aplicação sistemática de recursos", diz a economista e pesquisadora da Fundação João Pinheiro Elisa Maria Pinto da Rocha. Segundo ela, essa mudança é muito favorável e, embora a prática ainda não esteja totalmente disseminada, ela tem ultrapassado os limites da classe A e B e já atingiu as classes C e D.
Para o educador financeiro Reinaldo Domingos, antes de os pais decidirem poupar para os filhos, devem fazer um diagnóstico financeiro do próprio casal e verificar em qual categoria se encaixam: se são investidores (guardam parte da renda), equilibrados (não guardam, mas não tem dívidas) ou endividados (possuem débitos com credores).
"Todas as pessoas devem aprender a poupar, então se eles se encaixarem nos dois últimos grupos (equilibrados e devedores) devem se reeducar antes de pensar em guardar dinheiro para os filhos. A família deve antes se colocar na posição de investidor. Esse é o primeiro passo", diz.
O segundo passo é planejar os gastos até o nascimento da criança. "Eles devem verificar quanto vai custar o plano de saúde e os gastos com maternidade e outras despesas que já começam antes da chegada da criança", afirma.
Segundo Domingos, o terceiro passo é determinar o valor do "sonho" (faculdade, casamento, compra do primeiro carro ou até de um apartamento). Com a ajuda do assessor do Instituto de Educação Financeira DSOP Adelino Martins, o Terra determinou o valor de quatro despesas e quanto os pais deveriam juntar para poder proporcionar cada uma delas aos filhos. A rentabilidade considerada foi de 0,7% ao mês, equivalente a um investimento em títulos do Tesouro.
Investimento - Tempo de poupança - Valor mensal a poupar - Valor arrecadado
Faculdade- 17 anos - R$ 140 - R$ 62.993,10
Carro popular- 18 anos - R$ 60 - R$ 30.102,55
Festa de casamento- 25 anos - R$ 100 - R$ 101.523,50
Apartamento - 30 anos - R$ 200 - R$ 323.427,51
Para Elisa, mais importante que determinar o valor do sonho é estabelecer um percentual sobre a renda que deverá ser guardado e não deixar de poupá-lo. Depois de determinado o valor do sonho ou separado um percentual, começa a quarta e mais difícil etapa: recolher todos os meses o montante necessário para que, ao final de muitos anos, pais e filhos tenham mais liberdade financeira.
Atualmente, para Domingos, a melhor opção de investimento de longo prazo são os títulos do Tesouro Direto. A opinião é respaldada pelo consultor financeiro Ricardo Borges. Segundo ele, os títulos atualmente têm uma rentabilidade bruta de 11,5% e líquida (descontados os impostos) de 9% ao ano. Para ter um rendimento ainda melhor, os pais devem optar por corretoras que não cobram ou cobram baixas taxas de corretagem.
Segundo Borges, os pais devem evitar investir em previdência privada para crianças, pois essas têm taxas de administração maiores que os títulos do Tesouro e, em caso de retirada antecipada do dinheiro, o valor gasto com impostos será alto. "É preciso cautela ao se investir em previdência e evitar uma retirada antecipada, ou os custos como impostos podem ser superiores a outros rendimentos", diz Elisa.
Para Domingos, desde que respeitado o prazo de retirada, é possível encontrar boas opções de previdência privada. Ele também indica que a bolsa de valores pode ser interessante, mas apenas para parte do investimento (cerca de 20%). "Como o objetivo dessa poupança é definido, o investidor deve fazer investimentos conservadores, sem muito risco, para garantir que esse sonho se concretize", diz o educador.
A diretora de publicidade Meire Alessandra, 37 anos, optou pela previdência privada para a filha Maria Eduarda, de 11 meses, pela praticidade. Após um depósito inicial de R$ 300, todos os meses é descontado o valor de R$ 100 em sua conta. Ela pretende aumentar o valor gradualmente e, aos 18 anos, a filha poderá dar o destino que quiser ao dinheiro. "A escolha será dela. Ela poderá pagar a faculdade, dar entrada em um apartamento ou até viajar. É um suporte para começar a vida".
Dicas de um pai consultor
Para Borges, os pais não devem fazer poupança para os filhos. "Quanto mais garantido está o futuro, menos a pessoa se esforça", diz. Sua tática é diferente: ele recomenda que os pais desde cedo ensinem como economizar e como investir bem o seu dinheiro. Pai de uma criança de 7 e outra de 8 anos, ele começou a dar dinheiro para os filhos uma vez por semana quando eles tinham quatro anos. "E, nesse momento, os presentes acabaram. Agora eles têm que guardar o dinheiro para comprar o que quiserem".
Além da "semanada", que se transformou em "mesada" quando o filho mais velho fez sete anos, esporadicamente o pai dá mais algum dinheiro para os filhos, que vai para a "caixinha". "Mas esse dinheiro nunca está vinculado a desempenho escolar, por exemplo. Eles não podem ganhar algo porque fizeram sua obrigação, como estudar", diz. A mesma opinião é repartida pela pesquisadora da FJP. "Essa premiação feita pelos pais acaba criando um elo muito forte entre o desempenho pessoal e a aquisição de bens e serviços e isso pode causar estresse desnecessário nas crianças", comenta. Ela considera que os pais devem estimular a criança a poupar, principalmente depois dos 12 anos. "Se os pais poupam para os filhos, é interessante que eles contribuam de alguma forma e entendam o que a família está fazendo em prol deles".
Os filhos de Borges já sabem gerir o capital que recebem. Por experiência, um deles já percebeu que deve repensar os gastos. "Uma vez ele decidiu comprar um par de patins e eu disse que ele não ia usar, porque já tinha uma bicicleta. Ele decidiu comprar, usou uma vez e encostou. Agora toda vez que ele quer comprar alguma coisa pergunto se não vai acontecer a mesma coisa outra vez e na maioria das vezes ele não leva o brinquedo", diz. Como o dinheiro sai do bolso das crianças, elas já preferem fazer compras pela internet, que em geral são mais baratas. "Elas sabem que o produto vai demorar mais para cehgar, mas preferem economizar", comenta.
Quando tiverem com 12 anos, as crianças já vão deixar de apenas gerir o dinheiro, para investir. "Com essa idade eles já podem entender os melhores tipos de investimento e podem começar a fazer o dinheiro render".
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